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domingo, 27 de fevereiro de 2011

Genocídio no curdo dos outros é refresco, caro Guterman

Em post no blog que mantém no Estadão - o mesmo veículo que deu lição de mau jornalismo no caso das mentiras sobre censura ao Google - o jornalista e historiador Marcos Guterman reclama:

Procuram-se humanistas de verdade: A propósito de hipocrisia, enquanto Kadafi massacra civis, não há notícia de passeatas na avenida Paulista em defesa da população líbia, nem se sabe de alguma valente “flotilha da liberdade” despachada para ajudar as vítimas desse verdadeiro genocídio.”

A propósito de hipocrisia, o mesmo Guterman reclamava em seu blog há pouco mais de dois anos, do uso da palavra "genocídio" pela opinião pública para descrever as atrocidades de Israel contra civis palestinos. Dizia Guterman:
“Mas que genocídio? Chamar de “genocídio” a morte de 0,05% de uma população (...) numa guerra em que ambos os lados estão armados, é uma clara manobra para demonizar Israel.”[1]
Para Guterman, o genocídio "verdadeiro" é praticado pelos líbios contra os líbios, chamar de genocídio os crimes sistemáticos do estado israelense contra a população civil palestina é "manobra pra demonizar Israel."


Diferente do que Guterman acredita, os mesmo ativistas que lutam pelos direitos humanos em Gaza, lutam pelos direitos humanos em qualquer lugar. Guterman não "sabe de alguma valente 'flotilha da liberdade' despachada para ajudar as vítimas". Pois eu sei. A ativista pelos direitos humanos Mona Seif, uma das organizadoras da Flotilha da Liberdade para Gaza, heroína da resistência em Tahrir, ajudou a organizar uma “Flotilha” de ajuda médica para os líbios, três dias antes de Guterman publicar sua reclamação.

O blogueiro também não sabe, mas voluntários da ONG turca IHH Humanitarian Relief Foundation, que promoveu a Flotilha da Liberdade para Gaza ao qual Guterman faz alusão, estão nesse momento na fronteira líbia cuidando de civis feridos.

Como visto, se Guterman não sabe da existência de alguma coisa, não quer dizer que ela não exista. E outra flotilha de ajuda humanitária para os líbios é uma das principais reivindicações dos ativistas de direitos humanos pelo mundo. Até a Bianca Jagger já tuitou sobre isso.

Talvez ainda não tenha tido passeata na Paulista contra os crimes de Kadafi - até porque não há quem pressionar, pois diferente do caso do bloqueio Egipcío-Israelense à Gaza, as nações ocidentais estão todas se movimentando rapidamente para condenar o regime e planejar ações - mas a embaixada da Líbia no Brasil amanheceu pixada com frases de protesto e a Líbia é o alvo preferido do momento nas redes sociais. Em diversas cidades do mundo pessoas protestam contra o regime de Kadafi. Até em Gaza centenas de palestinos - inclusive do Hamas - saíram ás ruas em solidariedade aos manifestantes líbios.

As entidades de defesa dos direitos humanos que criticam Israel pelo tratamento aos palestinos - Anistia Internacional, Human Rights Watch, entre outras - tem se posicionado e organizado ações contra violações dos direitos humanos praticados pelo governo de Kadafi.  Anonymous vêm operando a #OpLibya mesmo antes até dos protestos terem começado.

No Egito, grande parte dos organizadores das demonstrações em Tahrir - e principalmente o núcleo duro que resistiu às investidas violentas da polícia de Mubark tentando evacuar a praça - foi formada por cidadãos egípcios acostumados a resistir e apanhar da polícia quando protestavam contra o bloqueio patrocinado também pelo Egito à Gaza, e contra a conivência do seu governo em relação às recentes violações aos direitos humanos cometidos por Israel em Gaza.


As acusações de hipocrisia de Guterman não procedem, e podem ser vistas como "uma clara manobra para demonizar" os ativistas que reclamam da violação dos direitos humanos por Israel. Ou seja, se Guterman não encontra seus humanistas de verdade, é porque não quer encontrar. Ou não sabe procurar.

Procuram-se jornalistas de verdade, os humanistas poderiam devolver.


http://www.facebook.com/oppalestine

Fernando Marés de Souza



PS. Há divergência sobre a definição de Genocídio, mas para mim, todo crime sistemático contra a população civil, contra indivíduos desarmados, por motivos étnicos, religiosos, nacionais, políticos ou econômicos, pode ser visto como Genocídio e deve ser encarado como tal.

Parabéns ao conselho da ONU para prevenção ao genocídio por condenar Kadafi, mas gostaria de ver a mesma disposição para pressionar a investigação e punição dos crimes de guerra praticados pelo exército de Israel em Gaza e pelo exército americano em Fallujah e outras cidades.


quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Roteiro final de Caverna do Dragão ilustrado em quadrinhos

Um dos posts mais acessados do Roteiro de Cinema foi quando publiquei aqui o verdadeiro roteiro final de Caverna do Dragão, popular série animada dos anos 80, cancelada sem muita explicação.

Hoje, através de um tweet do DouglasMCT, encontrei este post do blogue Quadro a Quadro, escrito pelo Adalton Silva, que traz o roteiro ilustrado em quadrinhos, desenhado pelo brasileiro Reinaldo Rocha. Apesar da capa, aparentemente o título não foi realmente lançado pela Panini, trata-se apenas de uma "fanfic".

A série, que teve 27 episódios e foi cancelada em 86, é vítima de um dos mais antigos hoaxes da internet. Desde os anos 90 um boato circula dando conta que o roteiro final da saga continha uma revelação tão macabra, que por isso a série foi cancelada sem ter um episódio conclusivo. Não era verdade, mas o final da série não deixa de ser surpreendente e ambíguo.

Leia a versão HQ no Scribd ou aqui embaixo. O roteiro original de Michael Reaves, Requiem, assim como um prefácio, podem ser lidos no site do autor.

Update: O blogue EvilWill também publicou matéria sobre o tema dias atrás.

Final da Caverna do Dragão por Reinaldo Rocha

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

A verdade sobre o Google e a suposta censura de notícias no Brasil

Divulgação de relatório internacional do CPJ mostra que jornalismo brasileiro ainda é livre. Para publicar qualquer besteira.

Argentino Carlos Lauría confunde páginas de Orkut com ataques a jornalistas gerando constrangimento histórico para os grandes veículos que noticiam mito do Brasil recordista de censura jornalística ao Google, num processo que revela a dificuldade da grande imprensa em lidar de forma eficiente com a correção das informações erradas que publicam.

Um exposé involuntário da imprensa brasileira pelo Roteiro de Cinema
Publicado originalmente em 16/02/2011 às 11h05, revisado em 21/02/11 às 21h30

O Estado de São Paulo, a Veja, incluindo o blog do Reinaldo Azevedo, e a Exame noticiaram na manhã de hoje, dia 16, que o Brasil “é recordista de notícias censuradas no Google”, que o "Google foi obrigado por autoridades brasileiras a tirar do ar 398 textos jornalísticos". Os veículos apresentam como fato que "398 matérias" foram deletadas dos servidores Google por ordem das “autoridades”. Seria um fato escandaloso se fosse verdade, mas não é.
Brasil bate recorde mundial de notícias falsas não corrigidas por falta de senso de Justiça.
No corpo de suas matérias, os grandes veículos de imprensa em suas versões online não “linkam” as fontes em que se baseiam, não permitem que o leitor vá direto ao dado original para checar por si mesmo e interpretá-lo da maneira que bem entender, para inclusive levar adiante novas abordagens e evoluir na análise dos dados, como é o costume entre blogueiros sérios independentes, que constroem um conhecimento coletivo, interligado e dinâmico da informação.  

Porém, mesmo sem ter acesso direto por hyperlink à fonte que os jornalistas dizem supostamente se basear,  fazendo uma pesquisa rápida, um "fact-check" de rotina,  facilmente se descobre que o “fato” noticiado pelos três veículos - e por mais de cinqüenta outros veículos que foram na onda dos três - não é verdadeiro.

UPDATE: Depois de ler as informações publicadas aqui e conversar comigo pelo telefone na tarde do dia 16, o jornalista responsável pela matéria Gabriel Manzano, corrigiu parcialmente a informação equivocada do Estadão.

UPDATE 2: O jornalismo brazuca online, do "gillette press", do "ctrl C + ctrl V", das "matérias kibadas", foi todo na onda do Manzano e do Lauría, e veículos publicando fatos não verdadeiros sobre "notícias censuradas no google" já se pode contar às dezenas, no mínimo 59, incluindo G1, UOL, Zero Hora, O Estado de Minas, R7
Paraná Online, Gazeta do Povo - clientes da Agência Estado - além de Portal Imprensa, Coletiva Net, Folha de Ibitinga, Rio News, Comunique-se, D24Am, Correio do Estado, entre outras.

A informação reportada é supostamente baseada em relatório elaborado pelo argentino Carlos Lauría, do Committee to Protect Journalists - que não fala em 398 "matérias jornalísticas", e sim "conteúdos online" - informação que por sua vez é baseada em relatório público do próprio Google, já conhecido pela blogosfera brasileira há algum tempo, e que pode ser facilmente acessado e “linkado” pela URL:
Pois bem, abaixo está o screenshot do relatório. Segundo os dados publicados pelo Google nenhuma “notícia” ou "matéria jornalística" foi censurada ou retirada do site (Google News = 0), o número expressivo de 398 pedidos de remoção de conteúdo dos servidores Google é formado por páginas do Orkut (99 pedidos de remoção por ordens judiciais e 220 extra judiciais, num total de 319), vídeos do Youtube (47 pedidos no total), fotos do Picasa (1 pedido), etc. 
Os pedidos de remoções são baseadas na legislação brasileira de direito de propriedade intelectual, de privacidade, de personalidade, ou outros conteúdos ilegais como pornografia infantil. Nada tem a ver com censura, como bradam os jornalistas desinformados.

Alerta o FAQ do Google Transparency

For Brazil, government requests for content removal are high relative to other countries in part because of the popularity of our social networking website, orkut.
  • In the first six months of 2010, more than 50% of the 398 government removal requests related to orkut. In the last half of 2009, the majority of the Brazilian requests (and Indian, where orkut is also popular) for removal of content from orkut related to alleged impersonation or defamation.
  • However, somewhat atypically for Brazil, in a non-orkut-related lawsuit in the first half of 2010, one court ordered removal of more than 18,000 photos from Picasa. The lawsuit alleged that the photos contained images of pages from copyrighted books.
O fato do Brasil ser recordista em pedidos e remoções de conteúdos dos servidores Google dentre os países cujos dados estão disponíveis - dos chineses por exemplo não constam dados - deve-se ao fato da grande penetração do Orkut no Brasil - mais de 20 milhões de usuários - somado ao esforço do ministério público e do judiciário, além de organizações não governamentais como o Safernet, para coibir pornografia infantil, cyberbullying e outros conteúdos ilegais nesta rede social. 

O dado real é que o Brasil é campeão de pedidos de remoções de conteúdos ilegais e abusivos do Orkut, o resto é fantasia paranóica e mau jornalismo.
    Se os veículos de imprensa que noticiaram o fato fossem realmente sérios e comprometidos com a liberdade de informação e a verdade, se retratariam da afirmação e corrigiriam os dados incorretos veiculados e disseminados nas redes sociais. Vamos ver o que dizem. 

    UPDATE 3: Veja não reconhece publicamente que disseminou informação não verdadeira mas altera texto para versão mais próxima ao texto revisado do Estadão. Veja não emitiu nota de esclarecimento sobre as informações equivocadas que publicou no site durante horas e lançou no Twitter, em mensagem que foi retuitada por centenas de pessoas, como documentado nesta matéria.

    UPDATE 4: Um dia depois da publicação desta matéria, a Agência Estado enviou nota de correção para seus clientes online. Dois dias depois da publicação desta matéria, alguns veículos corrigiram a informação e outros seguem com a informação falsa.

    AFTERMATH: Atualizado às 21h30 de 21 de fevereiro de 2011.

    Dezenas de veículos ainda mantém a informação equivocada, muitos com o logo da Agência Estado, e diversos incautos continuam passando a informação equivocada sobre "censura de textos jornalísticos", "recorde de censura no google" para frente nas redes sociais, apostando na credibilidade de suas fontes. 


    ESTADÃO corrigiu a informação e publicou nota no final do texto da matéria: "ESCLARECIMENTO: Em versão anterior desta notícia, foi informado equivocadamente que os pedidos de remoção feitos ao Googles se referiam a textos jornalísticos. Essa versão também apontava que 398 textos teriam sido removidos, quando na verdade foram atendidos 270 pedidos de remoção."

    Mesmo assim, o texto do Estadão ainda falha, afirmando que: "Não se trata, necessariamente, de material jornalístico: muitos se referem a conteúdos abusivos ou ilegais". Bem, a tabela mostra que NENHUM material se trata de material jornalístico, e se a opinião do Google ou do judiciário valem de algo, TODOS materiais se tratam de conteúdos ilegais ou abusivos". 

    Outro equívoco é dizer que "Comitê para Proteção dos Jornalistas contou 270 páginas removidas, das quais 177 por ordem judicial na primeira metade de 2010". Primeiro que o Comitê não contou nada, quem contou foi o próprio Google - e que pela complexidade dos dados alerta que a conta pode estar errada - e o relatório do Comitê só fala de 398 pedidos e nada mais, quem fez a conta sobre os 68% de pedidos atendidos para chegar ao número total de 270 removidos foi o próprio jornalista do Estadão, baseado em informação da tabela do Google, não do Comitê. 

    Segundo, é equivocado dizer que foram 270 "páginas" removidas, a tabela claramente diz que foram "pedidos" e não "páginas", e alguns pedidos são para remoção de mais de um "item", ou seja, de mais de uma página. Os pedidos para remover coisas do Orkut foram 99, mas somam 1,045 "páginas". Um único pedido de remoção para o Picasa computa mais de 18 mil fotos. O Google alerta ainda que podem haver vários pedidos para os mesmos ítens. O total de itens nos pedidos de remoção somam 19.806, mas é impossível precisar, baseado nos dados da tabela, quantos foram de fato deletados. 

    E por fim, em sua conta no Twitter, o Estadão publica uma ERRATA que diz: "ERRATA: Google removeu 270 páginas do Brasil e não 398 conforme havíamos publicado: ". Hilário. O grave erro do Estadão, que foi disseminado para toda a imprensa, não é o erro numérico, e sim ter tratado como "matérias jornalísticas" o que era na verdade conteúdos pessoais de sites administrados pelo Google: Orkut, Picasa e Youtube entre outros.

    VEJA mudou o texto online mas não publicou nota de esclarecimento sobre o erro anterior, numa postura antiética e desrespeitosa com as centenas de pessoas que reproduziram as informações falsas nas redes socias, confiando na credibilidade do periódico. Por ironia, ficam marcados na URL da matéria o título e gravata sensacionalista: (brasil-mantem-tradicao-de-controle-de-opiniao-e-e-recordista-de-noticias-censuradas-no-google). A Veja não publicou errata no Twitter.

    RICARDO SETTI, colunista da Veja, que escreveu um artigo sobre a "espantosa revelação de que o Google foi obrigado a retirar do ar 398 textos jornalísticos apenas na primeira metade de 2010, por ordem judicial", simplesmente apagou o artigo e fingiu que nada aconteceu. Mas a existência da coluna ficou registrada em matéria de Sergio Duran para o Knight Center, no cache do google, no arquivo do Twitter do jornalista, e em captura de tela. Um comentarista do blog tentou alertar Setti: "pelo que entendi, pode ser que esteja errado, foram 398 “solicitações” ao Google para retirada de conteúdo." Setti, com toda a certeza do mundo respondeu: "Não foram solicitações, caro Stocker, foram determinações judiciais". Para outro comentariasta, afirmou que "quando existe algum tipo de censura à liberdade de informar, ela provém da Justiça." Às vezes, pelo visto, ela vem do próprio colunista, que numa autocensura, apaga textos sem informar seu público de que passou uma informação errada. Capturas dos comentários. Update: Através de comentário em seu blog, Setti respondeu: "Retirei do ar uma informação que poderia estar errada, ou imprecisa, Fernando. E estou tentando apurar o que de fato sucedeu." Ricardo Setti apurou, e com muita dignidade admitiu o erro e publicou  esclarecimento em seu blog e em seu Twitter, inclusive citando informações do Roteiro de Cinema e provendo um link para cá. Parabéns, Ricardo Setti, para quem a correção "não é mais do que a obrigação de quem tem esse 'munus' público".

    RICARDO SETTI foi o primeiro jornalista que admitiu publicamente estar errado no episódio e que se corrigiu com eficiência, pois Gabriel Manzana, apesar de ter publicado errata, ela continua errada como já foi explicado, principalmente na versão impressa do jornal. A eficiência de Setti é simples: é o único texto sobre este escandaloso assunto dentre milhares de textos - além desse, claro - que coloca um link para a fonte original do google e permite que o leitor possa conferir os dados ele mesmo. 

    EXAME talvez seja o caso mais curioso, coloca um aviso de errata: "A notícia original publicada pela Agência Estado estava errada, e foi corrigida hoje (quinta-feira), às 14h27", corrige o corpo da matéria "Não são se trata, necessariamente, de material jornalístico", mas não corrije a gravata, que continua informando no começo da página: "Para se ter uma ideia, o Google foi obrigado por autoridades brasileiras a tirar do ar 398 textos jornalísticos apenas na primeira metade do ano passado", gerando um conflito lógico dentro da própria notícia. Vale frisar que a matéria foi alterada dia 18, sexta, a data e o horário citados correspondem ao envio de correção pela Agência Estado. Exame não publicou errata no Twitter


    Dentro da EXAME, o blog do Blog do Instituto Millenium continua com uma  matéria com fatos não verdeiros sem correção há dias, citando a Veja como fonte.

    REINALDO AZEVEDO ainda não corrigiu a informação falsa, e Reinaldo não aprovou meu comentário que desmente a matéria publicada. Update: Meu comentário não foi aprovado, talvez por conter link, o que é contra a política da Veja. Muitos comentaristas alertaram para o erro e muitos ainda xingam alguém de "petralha".

    A AGÊNCIA ESTADO mandou nota de correção para seus clientes dia 17 depois do almoço.  Roberto Lira, editor da Agência, diz que está estudando a viabilidade de colocar nos contratos com seus clientes uma cláusula de exigência de correção quando um erro for detectado e comunicado, num padrão pensado para o ambiente online, que altere a informação equivocada, preservando o link original e alertando sobre o equívoco anteriormente publicado, e vê com preocupação o fato de clientes ainda estarem com matérias não corrigidas em seus portais de notícia usando como fonte a agência.

    Segundo funcionários do Estado de São Paulo, uma errata da versão impressa da matéria saiu na edição do dia 17 na página A11 do jornal, mas a errata diz apenas, em novo erro, que "o correto são 270 textos ou imagens". E enquanto muitos culpam o erro pela sobrecarga dos jornalistas nas redações, o Estadão anuncia o corte de 22 funcionários para "reduzir custos". O Estadão não possui Ombudsman nem conselho de Ética, e cada editoria responde por si mesma. 

    O G1 publicou correção um dia depois do erro, dia 17 às 14h, mas mantém a página original sem correção sem nenhum aviso que as informações ali publicadas não são verdadeiras, e a página original foi (e ainda é)  usada  como fonte para diversos blogs e tweets mesmo depois de publicada a correção, como por exemplo um tweet do meu colega roteirista Emerson Abreu

    O PORTAL IMPRENSA ficou com sua matéria cinco dias no ar, mesmo sabendo do erro, pois um funcionário me contou pelo telefone sexta, 18, que eles sabiam que a matéria estava errada, mas que não "tiveram tempo" de corrigir. Depois de conversar com um funcionário do Portal, dia 21 de tarde, que me garantiu que a publicação tinha política definida de correção de informações, e de enviar um e-mail com link desta matéria para o Diretor Editorial Rodrigo Manzano, o Portal tirou a matéria do ar - a original pode ser vista no cache do google, ou em captura de tela - e publicou uma nova matéria com a correção. Parece que a política de correção é essa. É uma política errada, no meu ponto de vista, pois uma correção no mesmo link original desmente as as fontes conectadas, ajudando a esclarecer a verdade. E neste caso específico, muitos pensaram que página removida é culpa da tal censura. Aliás, já pensaram. Vale notar também que a matéria - seguindo o padrão de 16 de fevereiro do Estadão - continua com informações equivocadas.

    O D24AM, do Amazonas, publicou correção dia 18, dois dias depois do erro, mas a exemplo do G1, também mantém a página com informação equivocada sem aviso que as informações publicadas ali estão erradas. A página com informações equivocadas ainda é usada como fonte para pessoas passarem a informação para frente no Twiter, como esse tweet de 22/11.

    A GAZETA DO POVO, em outro exemplo bizarro, corrigiu o texto da matéria mas deixou o título original "Brasil bate recorde de notícias censuradas no Google" e não informou sobre erro anterior. Update: depois de serem alertados por mim, a editoria de tecnologia assumiu o erro, consertou o título e publicou nota sobre erro publicado anteriormente. Porém, não respondeu minha pergunta se o veículo tem política definida - com regras escritas - de correção de informações erradas.

    O BLOG DO NOBLAT, no GLOBO, fez confusão e publicou que "Brasil bateu recorde de notícias retiradas do Google na campanha eleitoral" e também citou o meme  "Google foi obrigado, por autoridades brasileiras, a retirar de seus servidores 398 matérias". O post continua no ar sem correção. 
    O RIO NEWS publicou link para a matéria do Roteiro de Cinema no Twitter.

    OBSERVATÓRIO DA IMPRENSA reproduziu texto de Manzano, e citando a errata equivocada da edição impressa - "N. da R.: Lead modificado conforme correção publicada pelo jornal na edição de 17/2" -  fala em "270 textos ou imagens de cunho jornalístico". O Observatório publicou também  artigo muito interessante de Venício A. de Lima: O relatório do CPJ. Mais um.
    O portar BRinforme, que diz ter como "princípio básico a qualidade e confiabilidade de suas informações",  publicou a notícia de censura aos textos jornalísticos e até agora não corrigiu.
    Os demais veículos citados - UOL Portal Imprensa, Zero Hora, R7Paraná Online, O Estado de MinasColetiva Net, Folha de Ibitinga, Correio do Estado, além de Yahoo Notícias, POP, Tudo Agora, Jornale, Grupo de Mídia, Bem Paraná, e centenas de outros veículos, 5 dias após divulgação do erro, ainda não corrigiram a informação ou - até onde sabemos - não publicaram correção até a redação deste Update, às 15h30 do dia 21 de fevereiro.

    Até a ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE JORNALISMO INVESTIGATIVO não se deu ao trabalho de investigar o fato e reproduziu a matéria equivocada do Estadão. Guilherme Alpendre, da Abraji, sabe do erro, pois falamos por telefone e trocamos e-mails. Update: Na tarde do dia 21, cinco dias depois de publicada, a Abraji mudou o texto para versão mais atualizada do Estadão, inclusive com a nota esclarecendo que as informações publicadas anteriormente ali estava erradas. 

    A ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE IMPRENSA publicou notícia toda truncada e desinformada sobre o assunto, falando em "censura" e que "270 links foram removidos com base em ações judiciais" que segundo "levantamento do CPJ mostra que a maioria dos pedidos foi feita por meio de ações judiciais, solicitadas por empresários, políticos e funcionários públicos".


    Em outro claro exemplo que parte da imprensa brasileira tem dificuldades de interpretação de texto, a ÉPOCA em sua coluna Filtro elegeu como a quarta mais importante notícia de 16 de fevereiro a notícia do Estadão que "Brasil bate recorde de notícias censuradas no Google. Pesquisa realizada pelo Centro Knight para o Jornalismo, do Texas, Estados Unidos, concluiu que apenas na primeira metade do ano passado o Google foi obrigado, por autoridades brasileiras, a retirar de seus servidores 398 matérias."

    A pesquisa pela expressão "notícias censuradas no Google" já gera mais de 30 mil resultados em busca no próprio Google.

    E no dia 18 de manhã o jornal argentino Clarín caiu no conto do Estadão e do Lauría e publica matéria desinformada sobre o assunto.  Brasil fue campeón mundial de la censura en Google. O mais engraçado - ou triste - é o jeito que a matéria começa: "De acuerdo con una investigación...". Seguindo telefone sem fio, o Impre.com publica que "Brasil fue campeón en 2010 en censura en Google de diversos artículos de opinión e investigación". Mito se disseminado pela imprensa anglofônica em 3, 2, 1...

    É fato que existem muitas ações na justiça brasileira por conta de conteúdos jornalísticos online ou não, mas para afirmar que a situação no Brasil é diferente ou maior que em outros países ainda precisa de um estudo sério. Lembro que o Estado de São Paulo alega estar há mais de 570 dias sob censura, mas o fato é que o autor já desistiu da ação há mais de 370 dias, e o uso do termo censura é contestado por alguns renomados juristas. E o caso mais famoso de ação judicial contra conteúdos na internet brasileira foi movida justamente pelo maior jornal do país, a Folha de São Paulo, contra blogueiros independentes do Falha de São Paulo

    Vale lembrar também que muitos processos judiciais por conta de conteúdos na internet são movidos pelos próprios jornalistas contra outros jornalistas ou blogueiros, como nos casos Luis Nassif vs. Gravataí Merengue, Diogo Mainardi vs. Luis NassifMauricio Savarese vs. Bodega CulturalFelipe Vieira vs. Marcelo TräselPolibio Braga vs. Nova Corja, Boris Casoy vs. Celso Lungaretti, entre outros.



    Tem também caso de jornal que processa blogueiro por suposta ofensa, como no caso Folha da Manhã vs. Roberto Moraes, e além do já citado Falha de São Paulo, a Folha também ameaçou de processo o blogue Arlesophia. Tem até jornalista que processa pessoas que deixam comentários em seus blogues, como Rosana Hermann vs. comentador anônimo. E pra não dizerem que sou corporativista, tem caso de Roteirista processando blogueiro também.


    Seriam todos esses processos tentativas de censura por parte dos jornalistas? É difícil fazer um levantamento sério do que é ação legítima e o que é abuso da lei. Mais fácil é citar dado pronto e generalizado de tabela do Google para enfatizar que vivemos sob "censura judicial", não é verdade?

    ERRO FOI INDUZIDO PELO RELATÓRIO DO CPJ

    O ônus da "barrigada" histórica cai na conta do Gabriel Manzano, de sua editora Malu Delgado e do Grupo Estado de São Paulo, porém, o jornalista argentino Carlos Lauría e o Committee to Protect Journalists, "fontes" da matéria, tem uma grande - se não a maior - parcela de responsabilidade pela confusão criada e pela disseminação do mito - que vai perdurar um bom tempo - do Brasil ser recordista de censura jornalística ao Google.

    Por qual razão um profissional coloca em relatório sobre "Ataques à Imprensa em 2010: Brasil", logo no primeiro parágrafo, uma menção à "Estatística em Destaque: 398 solicitações de remoção de conteúdos online foram feitas ao Google por autoridades brasileiras nos seis primeiros meses de 2010", conteúdos on-line que qualquer leitor que acessa o relatório do Google em que o dado é baseado, pode facilmente concluir que não tem relação alguma com conteúdos jornalísticos? 

    Por ser ainda de caráter experimental, as estatísticas do Google não são confiáveis, nas palavras da própria empresa: "the statistics are not 100% comprehensive or accurate". Mas isso não impediu que Carlos Lauría, do CPJ, elegesse a estatística como a "Key Statistic" do seu relatório sobre "Ataques a Jornalistas no Brasil", e ninguém na imprensa brasileira teve a iniciativa de olhar a fonte original.

    Incompetência ou tentativa artificial de se criar impacto? Saberia Lauría do que se tratavam os dados? Saberia que não são relacionados a conteúdos jornalísticos, que não são precisos nem confiáveis? Será que Lauría realmente fez um "levantamento" dos dados do Google? 

    O relatório do CPJ apresenta o dado num contexto de "ações judiciais" contra "críticas dos jornalistas" e não se preocupa em analisar o dado: "Ao longo dos últimos anos, empresários, políticos e funcionários públicos entraram com centenas de ações judiciais alegando que as críticas dos jornalistas eram ofensivas à honra ou invadiam sua privacidade, segundo pesquisa do CPJ. Os demandantes destes casos normalmente buscam sanções que proíbam a imprensa de publicar qualquer matéria sobre eles ou que obriguem a retirada de material online considerado ofensivo. Um relatório elaborado pelo Google em 2010 afirmou que as autoridades brasileiras solicitaram a remoção de conteúdos dos servidores da empresa em 398 ocasiões nos primeiros seis meses do ano, número duas vezes maior que o do segundo país listado, a Líbia. A maioria das solicitações brasileiras foi feita através de recursos judiciais, afirmou o Google."

    O Knight Center for Journalism in the Americas, usado como fonte para outras informações do relatório de Lauría, já havia noticiado o fato e afirmado que a estatística é alta por causa do orkut, citando matéria da AFP. O popular blog brasileiro de tecnologia Tecnoblog já trazia essa informação ano passado. Ou seja, que a estatística não se refere a jornalismo e é alta por causa do Orkut nunca foi segredo para ninguém. Mas para Lauría é estatística chave para compreender os problemas dos jornalistas brasileiros. E os jornalistas brasileiros apenas disseram amém.

    Mesmo depois da apresentação que Lauría fez do relatório promovido pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo, que contou com a presença de Fernando Rodrigues - presidente da ABRAJI e jornalista da Folha e do UOL - e de representantes dos principais veículos de comunicação do país, ninguém se interessou em "investigar" a tal da fonte da "estatística em destaque" apresentada pelo CPJ. Coube ao Roteiro de Cinema, um blogue sobre narrativa de ficção, reportar a realidade dos fatos e desmentir os mais tradicionais veículos de comunicação do país.

    Carlos Lauría comemorou no site do CPJ a "expressiva cobertura da mídia" que o relatório recebeu no Brasil, e citou expressamente a matéria equivocada do Estadão, especificamente a questão dos dados do Google: "O Estado published a story announcing the launch on Tuesday, and focused on Google's 2010 report, which said that Brazilian authorities had demanded that content be removed from the company's servers on 398 occasions in the first six months of the year,in its Wednesday's edition."


    Entrei em contato com o jornalista Carlos Lauría e com o CPJ, e ainda aguardo resposta para ser publicada aqui. 

    Entrei também em contato com a ABRAJI, Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo,  co-patrocinadora do evento onde Lauría lançou seu relatório, pedi que "investigassem" a questão, mas recebi a resposta de que por enquanto "a Abraji prefere não se pronunciar”.

    própria matéria do site da Abraji sobre o evento de lançamento do relatório cita o dado dos "398 pedidos de remoção", e apesar de não afirmar expressamente que se tratam de matérias jornalísticas, cita o dado num contexto de "obstáculos ao trabalho jornalístico", onde pode-se inferir que a remoção desses "398 conteúdos on-lines" são "censura judicial" e "obstáculos ao trabalho jornalístico": "Ele [Lauría] destacou a censura judicial como um dos maiores obstáculos atuais ao trabalho jornalístico no país. De acordo com o levantamento do CPJ, apenas nos seis primeiros meses do ano passado, o Google registrou 398 solicitações de remoção de conteúdos on-line feitas por autoridades brasileiras."

    E como já citado anteriormente, o site da Abraji reproduziu a matéria equivocada do Estadão. Update: a Abraji corrigiu a matéria 5 dias depois.

    Aos pedidos de Guilherme Alpendre, da Abraji, que insistiu para que eu não citasse a Abraji neste artigo, respondo com a clássica frase atribuída a George Orwell: "Jornalismo é publicar aquilo que alguém não quer que seja publicado; todo o resto é relações públicas". (Nota: a frase é provavelmente mal atribuída). A Abraji tem sua parcela de culpa na disseminação de um mito sobre o jornalismo brasileiro, e deve sua parcela de contribuição para o esclarecimento da verdade.

    Conversei com José Carlos Torves, da Federação Nacional dos Jornalistas, e ele me disse que esse exagero e denuncismo de censura nos países de terceiro mundo por ONGs estrangeiras não é novidade. Há alguns anos a FENAJ teve que se defender na  OEA de acusações infundadas similares, e os grandes veículos latino-americanos, ligados pela Sociedad Interamericana de Prensa, sempre querem pintar um quadro exagerado de Estado permanente de censura no continente.

    A novidade deste episódio, segundo Torves, é que diferente do passado, quando a narrativa dos grandes veículos prevalecia, a difusão de blogues e mídias independentes faz hoje com que as empresas tenham que voltar atrás e se corrigir.

    Ainda segundo Torves, esse episódio pode ser visto como um argumento para a necessidade de regulação dos grandes veículos de imprensa, nos moldes das regras que existem na Europa e em outros países do mundo, posição defendida pela FENAJ, visto que os veículos não são eficientes em coibir a disseminação de informações não verdadeiras, corrigi-las e se retratar delas. Se a vítima da notícia falsa fosse um cidadão comum ou uma empresa, o dano seria incalculável. A sociedade precisa de instrumentos para se defender, conclui Torves.

    Apesar de reconhecer a dificuldade que tem para controlar a informação incorreta que distribui e acaba sendo disseminada por todos os cantos da Internet, Roberto Lira, da Agência Estado, fecha com a posição da empresa, que é contra qualquer interferência externa, seja como regulação, controle social da mídia ou outra denominação.  


    Eu, a priori, não sou contra regras transparentes e democráticas que rejam a atividade da imprensa no Brasil. Minha outra pátria, a Dinamarca, tem uma regulação rígida de imprensa e é considerada pelo Reporters sans frontières como exemplo de liberdade de imprensa no mundo. 

    Os jornalistas tem no CPJ um comitê para protegê-los, mas quem protege o cidadão de jornalistas preguiçosos e mal informados que podem prejudicá-lo? Existe a lei e o judiciário que podem coibir os abusos da imprensa, respondem alguns. Mas diante de qualquer ação do judiciário, o CPJ vê somente "censura" e "obstáculo ao trabalho jornalístico", e como está documentado aqui, não distingue o que é ação legítima do estado para coibir abusos, de abuso do estado para coibir ações legítimas. Não é um debate fácil, e atitudes como do CPJ e dos grandes veículos brasileiros, disseminado informações irrelevantes ou falsas justamente na cobertura de um relatório que tenta colocar os jornalistas como vítimas do Estado, não contribui em nada para evoluirmos na questão.

    Este artigo continua em construção. Espero falar novamente com o Gabriel Manzano, ouvir sua editora Malu Delgado, a Abraji, o CPJ e o senhor Carlos Lauría. Todos já foram contactados.


    Fernando Marés de Souza
    Roteirista de Cinema e Televisão

    Artigo dedicado ao amigo Giordani Rodrigues, pioneiro do jornalismo investigativo sobre internet, que se estivesse vivo com seu Infoguerra no ar, não teria deixado essa pauta passar em branco.

    Screenshots das matérias com as afirmações incorretas por falta de "fact-check" ou compromisso com a verdade:


    Reinaldo Azevedo, bem, nem precisa falar, né?

    Veja nunca admite estar errada.

    Estadão foi o vagão do trem da desinformação.

    Exame corrige corpo de texto mas deixa informação falsa na gravata da matéria.


    Veja e Exame "esqueceram" de Twittar correção da matéria equivocada.

    G1 publica correção em outra página e deixa a original disseminando desinformção.
    Mais de 2.000 pessoas recomendaram a notícia falsa do UOL no facebook.

    Análise mais séria e completa sobre censura na Internet em 2010, por Atilio Baroni Filho do Global Voices:
    http://pt.globalvoicesonline.org/2011/02/02/brasil-censura-internet-2010/

    Outras matérias que contestam as afirmações dos veículos, inclusive na interpretação de outros dados, como as alegadas "21 ordens de censura": :

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