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terça-feira, 2 de julho de 2013

A Insurreição Que Vem: Ponto de Situação



















Toda a gente sabe. Isto vai rebentar. É aceite,
com um ar pesado ou orgulhoso, nos corredores
da Assembleia, tal como ontem se repetia no
café. Contentamo-nos com uma avaliação dos
riscos. Para já, uma lista detalhada de operações
preventivas de demarcação do território. As
festividades de passagem de ano revestem-se
de contornos decisivos. “É o último ano em
que haverá ostras!”. Para que a festa não seja
totalmente eclipsada pela tradição do motim,
são necessários os 36 000 bófias e os 16
helicópteros mobilizados por Alliot-Marie, ela
que, aquando das manifestações estudantis de
Dezembro, vigiava tremulamente o menor sinal
de uma contaminação grega. Ouvimos com cada
vez mais clareza, por detrás de uma retórica
tranquilizadora, o fragor dos preparativos de
uma guerra aberta. Já ninguém pode ignorar a
sua assumida, fria e pragmática preparação, que
já nem sequer tem o cuidado de se apresentar
como uma operação de pacificação.


Os jornais elaboram conscientemente a lista das
causas desta súbita inquietude. Há a crise, claro,
com o seu desemprego explosivo, o seu quinhão
de desespero e de programas sociais, os seus
escandâlos Kerviel ou Madoff. Há o fracasso do
sistema escolar que já não consegue produzir
trabalhadores, nem sequer moldar o cidadão; nem
mesmo a partir das crianças pertencentes à classe
média. Existe um mal-estar, dizem-nos, relativo
a uma juventude à qual nenhuma representação
política corresponde, sempre pronta a enviar os
seus carros de assalto às bicicletas gratuitas que
lhes são postas à disposição.

Todos estes temas de inquietação não deveriam,
no entanto, parecer incontornáveis numa
época cujo modo de governação predominante
consiste precisamente na gestão de situações de
crise. Excepto se considerarmos que aquilo que
o poder tem pela frente não é mais uma crise
nem uma sucessão de problemas crónicos, de
desvios mais ou menos esperados. Mas sim um
perigo específico: que se manifeste uma forma
de conflito, e de tomada de posição, que está
justamente longe de ser controlável.

 * * *

Aqueles que, por todo o lado, são este perigo,
terão que levantar questões menos estéreis, como
essas das causas e probabilidades de movimentos
e confrontos que, de qualquer das maneiras, irão
acontecer. Entre as quais, a seguinte: De que modo
o caos grego ressoa na situação francesa? Um
levantamento aqui não pode ser pensado como
a simples transposição do que lá se produziu. A
guerra civil mundial tem ainda especificidades
locais e uma situação de motins generalizados
provocaria, em França, uma deflagração de um
outro teor.

Os amotinados gregos tiveram pela frente um
Estado frágil, aproveitando uma popularidade
forte.

Convém não esquecer que, há apenas 30 anos,
a democracia se reconstituiu contra o regime
dos coronéis através de uma prática de violência
política. Esta violência, cuja memória não é assim
tão longínqua, parece ainda uma evidência para
a maioria dos gregos. Mesmo os líderes do PS
local já conheciam o cocktail molotov da sua 
juventude. Por outro lado, a política clássica conhece 
variantes que sabem muito bem acomodar-se em 
tais práticas e propagar mesmo no interior dos 
motins as suas frivolidades ideológicas. Se não foi 
na rua que se decidiu e terminou a batalha grega 
– tendo sido a polícia notoriamente ultrapassada 
– é porque a sua neutralização se jogou noutro 
lado. Nada é mais exasperante, nada é de facto 
mais fatal, do que esta política clássica, com os 
seus rituais ressequidos, o seu pensamento que 
não pensa, o seu pequeno mundinho fechado.

Em França, os nossos burocratas socialistas mais 
exaltados nunca foram mais do que austeros 
espiões de assembleias, do que responsáveis 
gélidos. Aqui, tudo conflui para que a mais 
pequena forma de intensidade política seja 
aniquilada. Permitindo-nos opor o vândalo ao 
cidadão. E beber de um reservatório infindável de 
simulacros de oposições: consumidores contra 
grevistas, fura-greves contra sequestradores 
de patrões, boa gente contra escumalha. Uma 
operação quase linguística que vai de mão dada 
com medidas quase militares. Os motins de 
Novembro de 2005 e, num contexto diferente, 
os movimentos sociais do Outono de 2007 
forneceram alguns exemplos de tal procedimento. 
A imagem dos estudantes ao redor de Nanterre 
que aplaudem a expulsão dos seus próprios 
colegas aos gritos de “Allez les bleus” não dá 
senão uma pequena ideia do que o futuro nos 
reserva.

Escusado será dizer que o apego dos
franceses ao Estado – último garante
dos valores universais, última barreira
contra o desastre – é uma patologia da qual
é complicado vermo-nos livres. É sobretudo
uma ficção incapaz de prosseguir. Até os nossos
governantes a consideram uma obstrução cada
dia mais inútil, já que, pelo menos, assumem o
conflito, militarmente. Não têm nenhum prurido
em enviar unidades de elite antiterrorista para
dominar as revoltas dos subúrbios ou mesmo
um centro de triagem ocupado pelos seus
funcionários. À medida que o estado-providência
se desmorona o conflicto cru entre os que
desejam a Ordem e os que a rejeitam torna-se a
principal questão. Tudo o que a política francesa
tem vindo a desactivar está em vias de se libertar
violentamente. De tudo o que reprimiu não se
poderá mais levantar. Podemos contar com o
movimento que vem para que encontre, neste
nível de decomposição avançada da sociedade, o
sopro niilista necessário. O que não impedirá que
não encontre outros tantos límites.

Um movimento revolucionário não se espalha
por contaminação mas sim por ressonância.

Qualquer coisa que se constitui aqui ressoa com
a onda de choque emitida por qualquer coisa que
se constitui noutro lugar. O corpo que ressoa fá-
lo segundo a sua própria forma. Uma insurreição
não se propaga como uma peste ou um incêndio
florestal – um processo linear, que se desenvolve
gradualmente a partir de uma faísca inicial. É
antes algo que ganha corpo como uma música,
na qual os seus focos, ainda que dispersos no
tempo e no espaço, conseguem impor o ritmo
da sua própria vibração. Ganhando sempre maior
consistência. De tal modo que qualquer regresso à
normalidade não pode ser desejado, nem sequer
alcançado.

Quando falamos de Império, nomeamos os
dispositivos de poder que, preventivamente,
cirurgicamente, retêm todos os devires
revolucionários de uma situação. Assim, o
Império não é um inimigo que nos confronta.
É um ritmo que se impõe, uma forma de
actualizar a realidade até ao seu esgotamento.
Mais do que uma ordem do mundo trata-se do
seu esgotamento triste, pesado e militar.
O que entendemos desde o partido dos
insurrectos é o esboço de toda uma nova
composição, todo um outro plano do real, que da
Grécia aos subúrbios franceses procura os seus
acordes.

 * * *

É doravante de notoriedade pública que as
situações de crise são ocasiões oferecidas à
dominação para se reestruturar. Sarkozy pode
assim declarar, sem passar por mentiroso, que
a crise financeira corresponde ao “fim de um
mundo” e que o ano de 2009 verá a França entrar
numa nova era. Esta névoa de crise económica
seria então uma novidade. A ocasião para uma
bela epopeia que nos veria, todos junto, combater
em simultâneo as desigualdades e o aquecimento
global. O que para a nossa geração, nascida
justamente na crise e que nunca conheceu nada
para além dela – crise económica, financeira,
social, ecológica – é, como poderão imaginar,
relativamente difícil de admitir. Não nos farão
engolir mais uma vez a armadilha da crise, com
o “vamos começar do zero” e o “basta apertar
o cinto durante algum tempo”. Na verdade, o
anúncio dos números desastrosos do desemprego
não provoca em nós qualquer tipo de compaixão.

A crise é uma maneira de governar. Quando este
mundo parece apenas suportar-se pela infinita
gestão da sua própria derrota.

Gostariam de nos ver a apoiar o Estado,
mobilizados, solidários com um improvável
remendo da sociedade. Mas a mobilização por uma
mudança desse género repugna-nos de tal modo
que é bastante mais provável que nos decidamos
a abater definitivamente o capitalismo.

O que está em guerra não são as formas variáveis
de gerir a sociedade. São, isso sim, as ideias,
irredutíveis e irreconciliáveis, de felicidade e
seus mundos. O poder sabe-o e nós também. Os
resíduos militantes que nos observam, cada vez
mais numerosos, cada vez menos identificáveis –
arrancam os cabelos para nos fazerem entrar nas
pequenas categorias das suas pequenas cabeças.
E no entanto estendem-nos a mão para melhor
nos sufocar; com as suas derrotas, a sua paralisia,
as suas débeis problemáticas. De eleições a
“transições”, serão aqueles que nos afastam
cada vez mais da possibilidade do comunismo.
Felizmente, já não perdemos tempo com traições
nem decepções.

O passado deu-nos demasiadas respostas erradas
para que não saibamos agora que eram as próprias
perguntas que estavam erradas.

Neste sentido, não temos escolha possível:

o fetichismo da espontaneidade OU o controlo pela Organização

a bricolage das redes militantes  OU a Baguette da hierarquia

agir desesperadamente agora OU esperar desesperadamente mais tarde

colocar entre
parênteses o que
há para viver e
experimentar, aqui
e agora, em nome
de um paraíso, que
pelo seu afastamento
constante se
assemelha cada vez
mais a um inferno

OU

remastigar
cadáveres pelo
facto de estarmos
convencidos que
cultivar cenouras
é suficiente para
escapar deste
pesadelo


As Organizações são um obstáculo ao propósito
de organização. Na verdade, não existe nenhuma
diferença entre o que somos, o que fazemos e
o que devimos. As organizações – políticas ou
sindicais, fascistas ou anarquistas – começam
sempre por separar praticamente estes aspectos
da existência. E de seguida o seu formalismo
estúpido é apresentado oportunamente como
único remédio para esta separação. Organizar-se
não significa dar uma estrutura à impotência. É
sobretudo estabelecer laços, laços que não são
neutros, laços terrivelmente direccionados. O
grau de organização mede-se pela intensidade da
partilha, material e espiritual.

Portanto, desde já: “organizar-se materialmente
para subsistir, organizar-se materialmente para
atacar”. Que um pouco por todo o lado se elabore
uma nova ideia de comunismo. Na sombra dos
bares, das tipografias, das okupas, dos vãos
de escada, das quintas, dos locais desportivos,
cumplicidades ofensivas podem nascer;
cumplicidades depois das quais o mundo se
torna subitamente mais sustentado. É preciso não
recusar a estas cumplicidades preciosas os meios
que exigem para desenvolver a sua força.

Aí se situa a possibilidade verdadeiramente
revolucionária da época. Os tumultos cada vez mais
frequentes têm isso de formidável, pois constituem
em cada momento a ocasião de cumplicidades
deste género, por vezes efémeras mas também por
vezes inabaláveis. Existem aqui seguramente uma
espécie de processo acumulativo. No momento
em que milhares de jovens tomam a peito a
deserção e sabotagem deste mundo, é preciso ser
estúpido como um bófia para procurar uma célula
financeira, um chefe ou uma insensatez.

 * * *

Dois séculos de capitalismo e de niilismo
mercantil culminaram na mais extrema
estranheza, em relação a si mesmo, aos outros,
aos mundos. O indivíduo, esta ficção, decompõese
à mesma velocidade que se torna real. Filhos
da metrópole, fazemos esta aposta: é a partir do
mais profundo despojamento da existência que
se desenvolve a possibilidade, sempre silenciada,
sempre conjurada, do comunismo. Em definitivo,
é contra toda uma antropologia que estamos em
guerra. Contra a própria ideia de homem.

O comunismo portanto, como pressuposto
e como experimentação. Partilha de uma
sensibilidade e elaboração de uma partilha.
Evidência do comum e construção de uma força.
O comunismo enquanto matriz de um assalto
minucioso, audacioso, contra a dominação.
Como apelo e como nome, de todos os mundos
resistentes à pacificação imperial, de todas as
solidariedades irredutíveis ao reino da mercadoria,
de todas as amizades que assumem a necessidade
da guerra. COMUNISMO. Sabemos que é um
termo que devemos usar com precaução. Não
pelo facto de, no grande desfile das palavras, já
não estar na moda. Mas porque os nossos piores
inimigos a usaram e continuam a usar. Insistimos.
Certas palavras são como campos de batalha,
cujo significado é uma vitória, revolucionária
ou reaccionária, necessariamente arrancado a
ferros.

Desertar da política clássica significa assumir
a guerra, que se situa também no terreno da
linguagem. Ou antes, na forma como se unem as
palavras, os gestos e a vida, indissociavelmente.

Quando se dedica tantos esforços para aprisionar
por terrorismo uns jovens camponeses
comunistas, que teriam participado na redacção
d’A Insurreição que vem, não é por “delito de
opinião” mas sobretudo porque eles poderiam
encarnar uma forma de conter dentro da mesma
existência os actos e o pensamento. E isto
geralmente não é perdoado.

Esta gente não é acusada de ter escrito algo,
nem sequer de ter atacado fisicamente os fluxos
sacrossantos que irrigam a metrópole. É acusada
possivelmente de ter vinculado a estes fluxos a
densidade de um pensamento e de uma posição
política; por um acto, aqui, tenha podido fazer
sentido segundo uma outra consistência do
mundo, diferente daquela, desértica, do Império.

O antiterrorismo pretendeu atacar o devir
possível de uma “associação de malfeitores”. Mas
o que é atacado de facto é o devir da situação.
A possibilidade de que detrás de cada merceeiro
se esconda alguma má intenção e detrás de cada
ideia os actos que ela reclama. A possibilidade de
propagação de uma ideia do político, anónima
mas palpável, disseminada e incontrolável, que
não possa ser arrumada no cubículo da liberdade
de expressão.

Não há a menor sombra de dúvida que será a
juventude a primeira a afrontar selvaticamente o
poder. Os últimos anos, dos motins da primavera
de 2001 na Argélia aos do inverno de 2008
na Grécia, são uma sucessão de avisos a este
propósito. Aqueles que há trinta ou quarenta
anos se revoltaram contra a moral dos seus pais
não deixarão de reduzir isto a um novo conflito
de gerações, senão mesmo a um efeito previsível
da adolescência.

O único porvir de uma “geração” é o de ser a
precedente; num caminho que, invariavelmente,
leva ao cemitério.

A tradição queria que tudo começasse por um
“movimento social”. Sobretudo num momento
em que a esquerda, que não pára de se
decompor, procura restabelecer benevolamente
a sua credibilidade na rua. Só que na rua, já não
tem o monopólio. Basta ver como a cada nova
mobilização dos liceus – como em tudo o que ela
ousa apoiar – há um fosso que não pára de crescer
entre as suas reivindicações aborrecidas e o nível
de violência e determinação do movimento.

Desse fosso devemos fazer uma trincheira.

Se vemos os “movimentos sociais” se sucederem
e perseguirem uns aos outros, nada deixando
de visível atrás deles, é ainda assim necessário
constatar que alguma coisa persiste. Um rasto de
pólvora que liga o que em cada evento não se
deixa disciplinar pela temporalidade absurda do
recuo de uma lei ou de qualquer outro pretexto.
Por golpes, e a seu ritmo, vemos qualquer coisa
como uma força que se desenha. Uma força que
não se submete ao seu tempo mas que o impõe,
silenciosamente.

Não é mais tempo para prever desmoronamentos
nem para demonstrar felizes possibilidades. Que
venham tarde ou cedo, é necessário se preparar.
Não há que fazer um esquema do que deveria ser
uma insurreição, mas sim trazer a possibilidade
do levantamento àquilo que nunca deveria ter
deixado de ser: um impulso vital da juventude
tanto quanto uma sabedoria popular. Na condição
de se saber mover, a inexistência de um esquema
não é um obstáculo mas sim uma oportunidade.
É, para os insurrectos, o único espaço que lhes
pode garantir o essencial: conservar a iniciativa.

Resta suscitar, manter como se mantém uma
fogueira, um certo vislumbre, uma certa febre
táctica que, chegado o momento, agora mesmo,
se revele determinante e uma fonte constante de
determinação. Desde já reaparecem certas questões
que ainda ontem poderiam parecer grotescas ou
obsoletas; resta se empenhar, não para responder
definitivamente mas para as manter vivas. Tê-las
reposto sobre a mesa não é de longe a menor das
virtudes do levantamento grego:

De modo uma situação de revoltas generalizadas
se transforma numa situação insurreccional?

Que fazer depois de tomar a rua, uma vez que a
polícia tenha sido derrotada de forma duradoira?
Os parlamentos merecem ainda ser tomados de
assalto? O que quer dizer na prática depor o poder
localmente? Como decidir? Como subsistir?

Como se reencontrar?

Comité Invisível
http://brasil.indymedia.org/media/2010/08//475453.pdf

Leia mais:
A insurreição inevitável - manifesto críptico
Previsão: 2012 será o ano do levante popular contra a corrupção no Brasil

sexta-feira, 14 de junho de 2013

Mariana Godoy e o "NÃO" ao vivo na Globo News

Ontem no Jornal das Dez da Globo News a âncora Mariana Godoy quase ia saindo do script recorrente onde manifestantes devem ser sempre feridos em "confronto com a polícia" quando alguém gritou "NÃO" em seus ouvidos. 

 
"Agora, se são sete jornalistas feridos eu imagino a quantidade de manifestantes que realmente... NÃO... que entraram em confronto com a polícia..." 
Questionada, Mariana não respondeu a pergunta sobre QUEM disse o "NÃO":
Mariana abriu a reportagem falando que "houve confronto com a polícia" e "algumas pessoas ficaram feridas". As organizações Globo repetiram em seus diversos veículos o talking point "entraram em confronto com a PM", mesmo sobre cenas onde vemos manifestantes com as mãos para o alto sendo covardemente atacados pela tropa de choque.
"Manifestantes entraram em confronto com a PM" é exatamente o sentido que a frase ganha com a correção após o "NÃO" ouvido e repetido por Mariana Godoy, voltando a refletir o discurso homogêneo das Organizações Globo: manifestante só é ferido pela polícia quando "entra em confronto".

G1: "Manifestantes entram em confronto com a PM"
CBN: "Manifestantes entram em confronto com a PM"
JN: "Manifestantes entram em confronto com polícia" também no Rio.
O fato é que Mariana Godoy ouviu e repetiu um "NÃO" dito por alguém e emendou em sequência "entraram em confronto com a polícia". Tirem suas próprias conclusões. Se foi apenas uma coincidência, a ironia da situação não deixa de ser digna de nota. E aproveitem e vejam alguns vídeos de manifestantes, e até jornalistas, "entrando em confronto com a polícia":














terça-feira, 11 de junho de 2013

Os Manuais de Roteiro do Cinema Mudo


Quando li o ótimo What Happens Next - The History of American Screenwriting, do roteirista Marc Norman, descobri que a pioneira Anita Loos co-escreveu com John Emerson um manual de roteiro para cinema e fiquei curioso para conhecê-lo. Acreditava que gastando um bom dinheiro conseguiria encomendá-lo em algum sebo nos Estados Unidos. Porém, ao procurar pelo título na internet, descobri que ele estava digitalizado e disponibilizado na íntegra pelo Google Books, e alguns segundos depois já estava lendo as 154 páginas publicadas em 1920, que incluem o roteiro do longa "The Love Expert" como exemplo de formato.

Norman menciona outro manual, escrito por Epes Winthrop Sargent, e rapidamente descobri que o The Internet Archive havia digitalizado e disponibilizado o livro. Resolvi então descobrir todos que existiam. Fucei as bibliografias dos manuais novos e antigos, li artigos acadêmicos, procurei pelas palavras e tags certas no Google Books e no Internet Archive. O que descobri foi fascinante. 

Na era do cinema mudo o mercado editorial sobre roteiro de cinema era muito parecido com o que temos hoje. Uma concorrida prateleira de estudos sérios e embasados ao lado de manuais picaretas fazendo promessas fáceis. Com a chegada do final dos anos 20 e o advento do cinema falado os novos lançamentos foram ficando raros até sumirem. Os títulos até ali lançados foram então esquecidos em bibliotecas públicas pelas décadas seguintes. Até agora.  

Consegui aumentar de 11 para 32 a lista de títulos proposta pela pioneira pesquisa feita por J. T. Velykovsky e achar inclusive dois títulos mais antigos do que o de 1913 que ele acreditava ser o primeiro.

THE PHOTO-PLAY, de Ralph Perkins Stoddard, publicado em 1911, é até que se prove o contrário o manual de roteiro de cinema mais antigo do mundo. HOW TO WRITE A PHOTOPLAYde Herbert Case Hoagland, publicado em 1912, o segundo.

Segue então minha lista, em ordem cronológica, com um link para o texto se ele estiver disponível online:


ANOS 10

THE PHOTO-PLAY
Ralph Perkins Stoddard, Malaney and Stoddard, 1911

HOW TO WRITE A PHOTOPLAY,
Herbert Case Hoagland, New York: Magazine Maker, 1912

THE PHOTOPLAY WRITER,
Leona Radnor, New York: Leona Radnor 1913

HOW TO WRITE MOVING PICTURE PLAYS,
William Lewis Gordon, Cincinnati: Atlas Publishing Company, 1913

TECHNIQUE OF THE PHOTOPLAY,
Epes Winthrop Sargent, New York: The Moving Picture World and Chalmers, 1913

THE ART OF THE PHOTOPLAY,
Eustace Hale Ball, New York: Veritas, 1913

WRITING THE PHOTOPLAY.
Joseph Berg Esenwein and Athur Leeds, Springfield, Massachusetts: The Home Correspondence School, 1913

THE PHOTOPLAY
James A. Taylor, 1914

HOW TO WRITE A PHOTOPLAY,
Arthur Winfield Thomas, Photoplaywrights Association of America, 1914

HOW TO WRITE PHOTO-PLAYS,
Clarence J. Caine, Philadelphia: David McKay, 1915

THE PHOTODRAMA
Henry Albert Phillips, Larchmont, New York: The Stanhope-Dodge, 1915

PHOTOPLAY SCENARIOS; HOW TO WRITE AND SELL THEM  Ball, Eustace Hale, New York: Hearst's International Library, 1915

HOW TO WRITE PHOTOPLAYS
Carl Charlton, PhiladelphiaRoyal Publishing Company, 1916 

HINTS ON PHOTOPLAY WRITING,
Leslie T. Peacocke, Chicago: Photoplay publishing company, 1916
SCREENCRAFT
Louis Reeves Harrison, New York city: Chalmers, 1916

THE ART OF PHOTOPLAY MAKING
Victor Oscar Freeburg, Boston: Macmillan, 1918

PHOTOPLAY WRITING SIMPLIFIED AND EXPLAINED
Frederick Palmer, Los Angeles: Palmer Photoplay Corporation, 1919

THE PHOTOPLAY SYNOPSIS
Ardon Van Buren Powell, Springfield, Massachusetts: The Home Correspondence School, 1919

THE IRVING SYSTEM : A NEW EASY METHOD OF STORY AND PHOTOPLAY WRITING
James Irving, Auburn, N.Y. : Authors' Press, 1919

ANOS 20

HOW TO WRITE PHOTOPLAYS,
John Emerson and Anita Loos, New York: McCann, 1920

CINEMA CRAFTSMANSHIP. A BOOK FOR PHOTOPLAYWRIGHTS,
Frances Taylor Patterson, New York: Harcourt, Brace and Howe, 1920

SCENARIO WRITING TODAY,
Grace Lytton, Boston, New York: Houghton Mifflin, 1921

FEATURE PHOTOPLAY
Henry Alber Phillips Springfield, Massachusetts: The Home Correspondence School, 1921

MODERN PHOTOPLAY WRITING,
Howard T. Dimick, Franklin, O., J. K. Reeve, 1922

PHOTOPLAY PLOT ENCYCLOPEDIA,
Frederick Palmer, Los Angeles: Palmer Photoplay Corporatio, 1922

PHOTOPLAY SCENARIO WRITING,
Frederick Palmer,  Los Angeles:  Palmer Institute of Authorship, 1922

HOW I DID IT,
Herbert Hartwell Van Loan, Los Angeles: The Whittingham press, 1922

PHOTOPLAY WRITING,
William Lord Wright,  New York: Institute of Photography. 1922

TECHNIQUE OF THE PHOTOPLAY,
Frederick Palmer. Los Angeles:  Palmer Institute of Authorship, 1924

THE HOME MOVIE SCENARIO BOOK
Morrie Ryskind, Charles F. Stevens, James Englander, New York: R. Manson, 1927

SCENARIO AND SCREEN
Frances Taylor Patterson. New York: Harcourt Brace and Company, 1928

MOTION PICTURE CONTINUITIES
Frances Taylor Patterson . New York: Columbia University Press, 1929

(Nota: Nas versões disponibilizadas pelo Google a opção de baixar o arquivo pdf é apenas para os EUA, porém é só usar um proxy para fingir que está nos EUA (ex: http://www.usa-proxy.org/) e baixar normalmente)

CURIOSIDADES

Em 1911 Stoddard provavelmente inventou o "script doctoring". Na última página oferece seus serviços. Por 1 dólar :


Stoddard também já demonstra a importância dos espaços em branco, e orienta a escrever com no mínimo espaço duplo entre linhas e também redigir uma descrição dos personagens e uma breve sinopse:


Hoagland dá as mesma instruções que Stoddard sugerindo a existência de um padrão já em 1912:



sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

F de Fake - Sobre Pereios e falsários

"This is a promise. For the next hour, everything you hear 
from us is really true and based on solid fact. "
Orson Welles in F for Fake (1973)

"Dei uma de Orson Welles", afirmou à Folha de São Paulo o ator José de Abreu. O jornalista Alberto Pereira Jr. conclui tratar-se de uma referência a Guerra do Mundos, obra radiofônica escrita e narrada por Welles nos anos 30 que levou pânico a incautos ouvintes. Não tenha tanta certeza, pois a história narrada pela Folha para tentar contextualizar a declaração de bissexualidade do ator sexagenário nas redes sociais é tão falsa como a biografia de Howard Hughes escrita por Clifford Irving.

A verdade é que por meses José de Abreu serviu de avalista para um perfil de twitter que representava ser o ator Paulo Cesar Pereio. O perfil @pereio1 era falso mas enganou muita gente, justamente por emprestar credibilidade de quem conhece o Pereio pessoalmente, como o jornalista Palmério Dória, amigo pessoal de Pereio, e o próprio Zé de Abreu. Mas por que José de Abreu dava suporte ao falsário que acusava sem provas e difamava pessoas aleatórias que ousavam dizer que o perfil era falso ou discordar das opiniões políticas publicadas pelo perfil? Essa é a pergunta que José de Abreu se esquiva de responder, e que obviamente Alberto Pereira Jr. não fez.

O perfil fake de Pereio virou notícia em portais e revistas de celebridades por causa de uma briga pública com o vocalista do Ultraje a Rigor, Roger Moreira, por conta de diferenças políticas que descambaram numa imatura disputa para ver quem tinha o órgão sexual mais diminuto. Não foi só a imprensa incauta que acreditou que o perfil era verdadeiro, Roger caiu como um pato e não passava um dia sem que os dois trocassem insultos. 

No dia 4 de janeiro o perfil falso de Pereio surgiu com mais uma acusação. Dizia que o professor Francisco, conhecido na rede pelo "monicker" @elcapeto - que ao contrário do que a Folha afirmou não é um perfil falso - era um pedófilo que tinha cumprido pena em Bangu II. José de Abreu endossou a acusação falsa do Pereio falso e nunca se retratou da acusação. Pelo contrário, lançou novas acusações contra o professor, acusando de tentar agarrá-lo a força em uma ocasião - acusações que Francisco nega, apresentando testemunhas que corroboram sua versão. É este o contexto das declarações de José de Abreu sobre sua bissexualidade.

Eu nunca havia dado bola para o fake do Pereio. Qualquer pessoa bem informada (desculpem-me ingênuos) sabia que a pessoa por trás do computador digitando freneticamente aquelas palavras e defendendo cegamente o governo não era o ator Paulo Cesar Pereio. Somente dois tipos de pessoas afirmavam ser mesmo Pereio. Os incautos e os cúmplices. Quando chegaram a mim informações do que o perfil andava fazendo, achei que alguém precisava fazer alguma coisa. O perfil estava sendo usado para difamar outros usuários, acusando pessoas de serem pedófilos condenados e estelionatários.  E como ninguém se dispunha a fazer nada, eu mesmo resolvi acabar com a farsa.

Em 7 de janeiro liguei para o ator Paulo Cesar Pereio que estava curtindo uma temporada em Paraty. Do outro lado da linha o senhor de 72 anos tinha dificuldades em entender sobre o que eu falava: "Qualquer pessoa escreve qualquer coisa na internet e fala que sou eu, não sou eu não". Pereio, que diz ser tecnofóbico, não conseguia abstrair direito o conceito de redes sociais. Eu já havia contado o que se passava para sua filha Lara, e agora contava para o próprio Pereio o que o seu fake andava aprontando: "Que merda", exclamou Pereio. "Foi feito pelo Pingo pra campanha, não sei quem tinha o "código" (senha), eu nem tenho esse código."

Pingo é o irmão de Pereio, o roteirista Jota Pingo, falecido no primeiro dia de dezembro passado. Ele criou a conta, que foi usada para a campanha a vereador do ator pelo PSB, quando recebeu pouco mais de mil  e quatrocentos votos. Segundo Pereio, antes e depois da morte de Pingo, várias pessoas tinham acesso e publicavam no perfil. Era um fake coletivo. Pereio me disse que não sabe quem atualizava o perfil, e nem o teor do que era publicado. 

Quando anunciei a obviedade no Twitter, foi uma comoção. Alguns se sentiram enganados, outros duvidaram. Algumas horas depois uma foto do Pereio segurando os dizeres "Eu não tenho Twitter" começou a circular na rede, e a maioria dos negacionistas se renderam. Não era mesmo o Pereio. @Pereio1 era fake. Hildegard Angel, decepcionada com a revelação (e ainda em dúvida) escreveu a hagiografia do Pereio Fake em seu blog. "Falou o que todo mundo queria e não tinha coragem", afirma a colunista. Quem seria esse "todo mundo" não fica claro. No meu mundo 

via @mulhertombada

Quem eram as pessoas por trás do fake do Pereio? Perguntem ao Palmério Dória e ao José de Abreu, que emprestavam credibilidade ao falsário: Mandem a pergunta para eles em @palmeriodoria e @zehdeabreu.

Seguem capturas de tela bem interessantes sobre o caso:

 Dois dias antes da confirmação que Pereio1 era mesmo fake, Palmério Dória sustenta a farsa.


Uma hora depois de eu inquirir Palmério sobre o Pereio fake, o Pereio fake me pede para deixar Palmério em paz.

Pereio fake me ataca e se apoia em Palmério Dória.


Pereio fake se gabando do tamanho do membro do.... Palmério.



Nem os 172 de QI ajudaram Roger a ver o óbvio.


Evidência que José de Abreu se comunicava com o fake por mensagem privada.

Zé de Abreu confirma que Pereio1 é mesmo Pereio.

José de Abreu com receio de ser processado.









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